Excesso______#10
Na edição anterior, refletimos sobre como fidelizar consumidores em um cenário competitivo. Agora, a pergunta é: a que custo isso acontece?
O que aprendemos nesses últimos dias:
🗑️ Por que tendências virais se transformam em lixo tão rápido;
📱 Como a publicidade e o FOMO moldam o consumo digital;
🛍️ Fast fashion, greenwashing e o papel da influência;
⚠️ O que o mercado pode (e deve) mudar agora.
Consumo, influência e meio ambiente: a conta (in)visível das tendências virais
Do Labubu e Bobbie Goods à Shein, passando por velas coloridas, copos personalizados e “estéticas” que duram menos que um story. Estamos presos numa lógica onde tudo precisa ser tendência, e rápido. A sensação de urgência coletiva, alimentada por algoritmos e creators, faz com que o consumo vire um reflexo e não uma escolha. Mas o que acontece depois que a febre vai embora? A resposta fica com o tripé que sustenta o desejo: publicidade, influência e urgência emocional.
O FOMO (fear of missing out ou medo de ficar de fora) e a dinâmica das plataformas sociais alimentam um ciclo de consumo baseado não em necessidade, mas em pertencimento. Como mostra uma pesquisa da USP, o desejo não nasce sempre sozinho: muitas vezes ele é estimulado por um sistema publicitário sofisticado, que hoje opera por meio principalmente de influenciadores, lives, unboxings e algoritmos.
O que começa em um impulso pode rapidamente se transformar em lixo, e nem sempre é apenas a embalagem. Dados da ONU revelam que o mundo gerou 62 milhões de toneladas de lixo eletrônico em 2022 (o equivalente a todo o peso da população humana atual multiplicado por 8!), sendo o maior volume já registrado até aquele momento e, destes, menos de 25% teve descarte adequado. O que foi descartado incorretamente acaba impactando cada vez mais a contaminação do solo, água e ar.
Nos mares a situação é igualmente alarmante: mais de 11 milhões de toneladas de plástico chegam aos mares por ano, o equivalente a um caminhão de lixo plástico sendo despejado no mar a cada minuto! Grande parte desses rejeitos vêm de embalagens e produtos de vida útil curtíssima, impulsionados por esse consumo desenfreado.
O caso da Shein, por exemplo, escancara essa lógica. A empresa foi reconhecida como a maior poluidora do fast fashion, usando tecnologias como a IA para acelerar ainda mais a produção e lançamento de novas peças.
E o problema não para nas vitrines ou nos armários: no deserto do Atacama, no Chile, cerca de 39 mil toneladas de roupas (muitas de marcas famosas e ainda com etiqueta) são descartadas ilegalmente todos os anos. As peças chegam ao porto de Iquique como sobras de estoque não vendidos ou devoluções e, quando não são revendidas, se transformam em pilhas de roupas que podem ser vistas do espaço. E como se não bastasse o acúmulo, seu material também impacta diretamente o ecossistema, já que a matéria prima normalmente é o poliéster, um material que leva cerca de 200 anos para se decompor. Nesse meio tempo o planeta como um todo é cada vez mais afetado, principalmente com os microplásticos.
Entre o #publipost e o impacto real
Presentes recebidos por criadores de conteúdo, hauls (vídeo ou postagem onde alguém exibe e comenta sobre suas compras recentes, diferente de unboxing onde o foco é em um produto em específico) e códigos de desconto disfarçados de opinião pessoal colaboram com uma cultura onde “mostrar” é mais importante que “usar”. E nesse contexto, muitas pessoas acabam sendo vítimas (ou cúmplices) do chamado greenwashing: estratégias de marketing utilizadas por marcas e influenciadores para vender uma imagem de responsabilidade ambiental que não condiz com a realidade.
Também é preciso reconhecer: o fast fashion e as trends virais, por mais problemáticas que sejam, representam uma forma de acesso a estilo, autoestima e pertencimento para muitas pessoas. Principalmente para consumidores das classes B e C, comprar um look ou algo atual por um preço acessível pode ser a única forma de se sentir incluído em contextos sociais, profissionais ou digitais.
Segundo um estudo realizado no segundo semestre de 2024 com 1000 pessoas, 80% delas já compraram por indicação de um influenciador e 62% usaram cupons para tornar a compra viável. Para 45% delas, a experiência superou as expectativas.
O problema não está diretamente apenas em quem consome, mas em estruturas que incentivam esse modelo como estratégia de negócio. Diante disso, falar sobre consumo consciente exige sensibilidade, já que nem sempre há uma escolha real e, portanto, a crítica nem sempre deve recair sobre quem consome, mas sobre o sistema que disfarça necessidade de liberdade e precariedade de oportunidade.
No entanto, há sinais de que o cenário pode estar mudando. A França se tornou o primeiro país a regular o fast fashion com penalidades ambientais, onde há uma proposta de lei que prevê restrições a campanhas publicitárias e penalidades a empresas que produzirem de forma predatória. A medida visa frear o consumo e também estimular a indústria local e circular.
✨ INSIGHT’S TEAM 🧠
O problema talvez não seja só o excesso, mas a lógica por trás dele. A cultura do consumo rápido e desnecessário não nasceu nas redes sociais, mas foi amplificada por elas até o limite.
Plataformas que deveriam conectar pessoas passaram a operar como vitrines infinitas, onde o tempo entre o desejo e a compra se resume a um clique. O “quero” virou “preciso” e o “preciso” em um “agora” impensado.
O verdadeiro luxo, hoje, pode ser a pausa. A coragem de não comprar, mas sim reutilizar, reparar. Romper com o ruído e fazer escolhas baseadas em valores, e não em algoritmos.
E é aqui que o mercado tem um papel central: o novo diferencial competitivo não é a velocidade, mas sim a coerência.
Empresas que apostam em durabilidade, transparência e propósito constroem algo raro em tempos de hype: confiança e fidelidade.